quinta-feira, 23 de fevereiro de 2017

Excerto favorito

No remoto Passado 
fica o semblante vero, 
do que hoje aqui padece. 
Mas não me desespero, 
que a vida é sem Presente. 
(Daqui nem ouro quero...) 

- Romance LV ou de um preso chamado Gonzaga, do livro Romanceiro da Inconfidência, de Cecília Meireles

quarta-feira, 1 de fevereiro de 2017

AFORISMO

Aforismo (s.m.): máxima que, em poucas palavras, explica uma regra ou princípio moral.

Há meses me ocorre esta palavra. Há meses, também, postergo minhas palavras.
Que seja, então: trago-vos um pouco do meu nheegatu.
Aforismo é, sobretudo, um paradoxo. É comprimir complexos princípios, ideias, montantes de significado em partículas de valor. Valor este que pode ser verbal, iconográfico, sinestésico...
Que tal um ditame popular? : ‘’Pau que nasce torto nunca se endireita’’. Um aforismo.
Ou algo mais denso. Vamos de Nietszche, o Fred: ‘’Cada pessoa tem que escolher quanta verdade consegue suportar’’.  Outro aforismo.
Não importa o tempo que você vai passar refletindo acerca do que ouvira. Aforismo.
Acontece que essa palavra dialoga comigo de uma forma além. Quase metafísica...

Aforismo é você viajar a uma cidade nova, procurar um bar qualquer e pedir ao barman uma cerveja local. Aquela que só tem ali. O orgulho materializado em água, malte e lúpulo. Bebe-se a cidade. Bebem-se as experiências, as pessoas, as prosas.
Aforismo, ainda, é imergir no produto final de um artista. É contemplar A Noite Estrelada e visualizar o caos na mente de Vincent. É ouvir Ave Maria e sentir a prece sussurrada de Sebastian junto ao ouvido.
Aforismo é sentir o cheiro do tempero e lembrar-se da comida de vó. Sentir o cheiro do perfume e lembrar-se da pessoa amada. E claro, para ser literal, lembrar-se de tudo que isso significa.
Na Medicina, aforismo é colher uma histórica clínica de 15 minutos e vislumbrar, deduzir, diagnosticar o que se passa no organismo, na mente, na vida do paciente. O entrevistador pergunta: ‘’O que trouxe o senhor a procurar atendimento médico?’’ Ele até responde ser uma dor de garganta, uma ‘’gastura’’ ou, talvez, ‘’só fazer um check-up, doutor... ’’. Mas, muitas vezes, o problema está bem fundo, quase no intangível. E é necessário entender os aforismos. Agarrar nas pequenas palavras os grandes significados...

Assim, apresento-vos meu aforismo predileto, ao menos por ora: m’illumino d’immenso (ilumino-me do imenso, em português tradução livre).
Giuseppe Ungaretti, em 1919, compôs este breve poema chamado ‘Mattina’.
No momento em que é invadido pela primeira luz da manhã, Peppe sente-se capaz de perceber a vastidão imensa do infinito, de entrar em contato com o absoluto.

M’illumino

D’immenso.

Aforismo.